O primeiro painel do LATAM MOBILITY DAY BRASIL foi dedicado a um tema que envolveu a mobilidade sustentável como aliada da descarbonização no Brasil. Estiveram: Cristina Albuquerque (Gerente da Mobilidade Urbana da WRI Brasil), Adalberto Maluf (Presidente da ABVE), Tiago Faierstein (Gerente de Negócios ABDI) e Silvani Pereira (Diretor presidente do Metrô de São Paulo).
Cristina Albuquerque esteve como moderadora do painel. Ela iniciou falando sobre os desafios e processos atrelados a descarbonização do Brasil, onde os dados apontam que cerca de 40% a 60% das emissões associadas de CO2 ao setor de transportes nas cidades brasileiras contribuem num impacto forte ao meio-ambiente.
“Estima-se que 50 mil pessoas morrem por ano em decorrência de doenças respiratórias associadas aos poluentes gerados nas cidades pelo setor de transportes predominantemente”, comentou Cristina.
Para se ter uma eletromobilidade de baixo carbono, o investimento em outras áreas é extremamente necessário, contemplando a integração de diferentes transportes. Cristina explicou que a integração de diferentes modos de transporte (p.ex.: ativos, coletivos) e até mesmo redistribuição de vias tornou-se algo urgente e essencial, tendo em vista que o Brasil há uma cultura do aumento do espaço viário do transporte individual.
“O nosso maior desafio é trazer a mobilidade sustentável, uma redistribuição e planejamento desta mobilidade nas cidades com foco nas pessoas e priorizando o transporte ativo e coletivo de maneira integrada. A tecnologia elétrica ou outras tecnologias que estão sendo desenvolvidas se constituem num aliado para que a gente consiga chegar nessa mobilidade sustentável de baixo carbono dentro desse processo”.
Quando se trata da América Latina, o Brasil tem avançado um pouco mais rápido na eletromobilidade. Chile e Colômbia têm avançado fortemente com projetos em parceria com o Brasil colocando mil ônibus em circulação e está previsto a chegada de mais até o final do ano. A integração deste modal traz uma interação com espaço nas cidades de zona de baixa emissão.
Para que haja uma aceleração no processo de implantação com projetos dentro da eletromobilidade de zero carbono, Adalberto Maluf acredita em um tripé onde haja: 1) projeto de planejamento urbano, 2) a mobilidade e 3) aproximação da habitação ao emprego.
“Sabemos da complexidade da política pública, em especial, no Brasil, em que cada secretaria faz o seu com pouca integração entre elas. Isso é um fato”, disse Maluf.
Maluf também mostrou os dados que no Chile a soma é de três mil ônibus elétricos e, no mundo, esse número já chega a 650 mil unidades.
Outro questionamento é o fato de que o Brasil tem o maior parque fabricante de veículos pesados e, se tratando dos leves, é o nono na produção. “Infelizmente na aprovação do programa Rota 2030 no congresso, ele perdeu um pouco da ambição e todos os estímulos de pesquisas, inovação e segurança em prol dessa nova indústria”.
Adalberto mostrou dados dos últimos dois anos (considerando a pandemia) em que os países aprovaram três das maiores políticas industriais da história da humanidade: A china com o quarto plano de desenvolvimento focado em energia limpa, mobilidade do futuro, hidrogênio, com investimentos na ordem de 1.7 trilhões de dólares. Só na Europa, o investimento é de € 800 bi com o pacote verde no programa de energia limpa na eletromobilidade envolvendo financiamento, subsídio, incentivo e a coordenação de várias áreas.
Os Estados Unidos lançou um plano estrutural em que serão investidos USD 2.2 tri, sendo: USD 450 bi nas pesquisas e desenvolvimento em veículo elétrico. “O mundo tem política pública integrada e, infelizmente, o Brasil não. O Brasil é o único país dos grandes que não tem uma política nacional de eletromobilidade”, contestou o presidente da ABVE.
“Na minha opinião, faltam uma séries de coisas: política pública mais consistente, integração e coordenação maior do governo federal. O governo tem esse papel de coordenar, incentivar, financiar e dar visão de futuro e importância da eletromobilidade, seja nas questões ambientais, sociais, bem como nas questões que envolvem ampliação e melhoria da qualidade de vida na cidade, seja nas práticas industriais e no fomento das tecnologias do futuro”, concluiu.
Silvani: políticas públicas
Nas políticas públicas, Silvani Pereira afirmou que o modelo do Brasil não contribui muito quando se fala de projetos, pois a duração dos mesmos tem um tempo maior do que o mandato de quatro anos de um governante para serem executados.
Silvani comenta ainda que o país tem uma descontinuidade na política pública e sugere a implantação de um selo de sustentabilidade. “Acho que nós tínhamos que ter um selo de sustentabilidade, onde os projetos que recebessem esse selo deveriam ter tramitação prioritária, seja no meio ambiente, na justiça (se estiver em questionamento judicial), no legislativo, executivo para que não pudesse ser descontinuado. O ideal é que não fosse um projeto de governo e, sim, de Estado. Este seria o caminho para não ocorrer a tal descontinuidade”.
Além do setor público, Silvani trouxe a realidade do setor privado onde há uma série de discussões de governanças, questões sociais, diferenças, sustentabilidade. Silvani citou, como exemplo, o que tem sido feito no metrô de São Paulo com R$ 400 mi em execução em função de exigências de algumas regras e alguns requisitos básicos de sustentabilidade.
“Quando se fala da eletromobilidade, é preciso, por exemplo, no mínimo, existir a preservação das vias quando se fala de ônibus. Ainda dentro do contexto de eletromobilidade, quando o assunto envolver a recarga de energia, é extremamente necessário fazer pontos de abastecimento por causa dos carros. Quando uma nação desenvolve tal estrutura, isso passa a ser um projeto de Estado. E, se lideranças posteriores, decidissem não dar descontinuidade, deveria haver sanções e penalidades por não cumprirem a política de Estado”.
“Temos uma grande responsabilidade no setor público para organizar e fazer um modelo de gestão mais perene e que tenha vida longa. Temos que cobrar das entidades privadas e das grandes corporações”, finalizou.
Tiago
Tiago Faierstein também concorda que a política pública é um problema no país, mas por não ter a expertise das grandes políticas industriais, o Brasil também sofre na hora de tratar a questão da eletromobilidade. “Já se tentou no passado no plano Brasil maior, mas o país ainda precisa criar políticas públicas mais consistentes ouvindo mais o setor produtivo”.
Outro fato a ser considerado é a existência de grandes crises mundiais: no setor da indústria há problemas com os semicondutores, bem como a falta de materiais. Além disso, há o problema do câmbio estar oscilando bastante.
“Para reduzir os custos dos veículos, deve entrar na discussão o desenvolvimento e custo das baterias e produção. Afinal, isto é algo que impulsiona o valor alto dos carros elétricos no país. O Brasil vai lançar agora uma política nacional dos semicondutores pra tentar trazer indústrias para o país. Não achamos que seja a verdadeira solução, mas é um passo para o Brasil”.
Outra situação importante é a que envolve o engajamento nacional com a briga pela redução do ICMS dos veículos elétricos. Thiago explicou que acompanhou três grades discussões no CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária) junto aos Estados. Porém, alguns estados do Brasil não entendem e não têm a visão da eletrificação (descarbonização).
“Eu trago aqui também a mudança de cultura do povo brasileiro de entender o que é a eletromobilidade e que ela é sim economicamente viável. Os governos locais não têm que esperar apenas as medidas nacionais do Governo Federal, mas precisam ter iniciativas estaduais e municipais com a criação de modelos de negócios”.
Cristina questionou como a eletromobilidade vem trazendo a necessidade e novos negócios e modelos de cultura para a população e ao automóvel individual.
Maluf respondeu que é necessário pensar na micromobilidade como é o caso da bicicleta de transporte não motorizada. Ou seja, esse é um modal prático que alimenta os sistemas de alta capacidade uma vez que podem ser integrados ao metrô e ao ônibus.
Adalberto falou da importância do ônibus elétrico ser a solução para qualificar o transporte público, diminuir a poluição do gás/efeito estufa e, ao mesmo tempo, atrair passageiros por conta da melhoria da operação, estabilizando assim os custos.
Na ABVE, segundo Maluf, a associação está tendo um envolvimento cada vez maior com políticas públicas para influenciar o debate político. “Estamos muito mais ativos hoje em fazer carta com presidenciáveis, reuniões com governadores e candidatos a deputado”. E, Maluf, completa: “Porque se não mudarmos as leis que embasam as possibilidades de contratação de transportes públicos e resolvermos os temas metropolitanos, financiamento de transporte e questão industriais, a gente nunca vai ter uma solução integrada”.
Ainda na questão dos novos modelos de negócios, Tiago falou das startups que vem desenvolvendo soluções para conectar veículos, criar modais de sharing (compartilhamento), software e grandes possibilidades para o mercado de eletrificação.
Apesar do alto custo que as montadoras absorvem por um período de tempo e depois é repassado ao usuário com as tecnologias do chip 4G dentro do carro, Tiago explicou algo relevante. Ele disse que esses chips não vão existir mais por conta de uma parceria com a ALCOM.
“Já conseguimos regulamentar junto à ANATEL uma faixa de frequência para uso dessa tecnologia, que é de 5.9 giga hertz, na qual os carros vão agora estar mais conectados. Ou seja, carros se comunicando com outros carros. Carros se comunicando com outros dispositivos (p.ex.: celulares), com outras pessoas”, disse Tiago.
Porém, isso só é possível e preciso por conta da tecnologia do carro elétrico ter um desenvolvimento de software, tecnologia e um grau de simplificação da mecânica. Tudo isto junto implica no desenvolvimento de aspectos de segurança dessas novas soluções.
“Então, a gente não pode falar só do carro em si. Mas, estamos falando de algo maior e que envolve uma oportunidade pra pequenos produtores e startups. Estamos lidando com um cenário amplo e integrado que busca o desenvolvimento de um ecossistema de inovação no país, como por exemplo, de software e powertrains”.
Tiago ressaltou que não se pode deixar de lado a situação do Nordeste e de cidades do norte do Brasil. Tiago destacou ainda que são realidades e culturas totalmente diferentes.
Em relação ao metrô, Silvani explicou que há alguns projetos com um olhar para a causa e não só a consequência. “Defendemos muito a mobilidade coletiva, ou seja, que você consiga cada vez mais avançar no atendimento da população com transporte de massa”, disse.
Silvani acredita que em 2023 comece em São Paulo um projeto de corredores de ônibus e BRT totalmente elétrico. “Acho que isso é muito importante e vai incentivar os operadores do sistema a entrar na mobilidade elétrica. Isso é um fato real que nós estamos presenciando”.
Outro assunto importante que foi debatido no painel envolveu a questão da autoridade metropolitana em ter que organizar todo o espaço urbano. “Não dá pra cada município fazer a sua própria política de transporte urbano ou sua política de mobilidade, sendo que aquele cidadão não transita só dentro do município. Não adianta. Ele passa por vários outros municípios”, disse Silvani.
“Deve ser formalizado (talvez) já em setembro, o Observatório da Mobilidade Urbana, na Região Metropolitana de São Paulo. Nós estamos criando o observatório e que será uma associação sem fins lucrativos que agregará entidades privadas, universidades, metrô de São Paulo e demais empresas que querem patrocinar a sustentabilidade para ter um olhar mais técnico”, finalizou Silvani.